quinta-feira, 31 de maio de 2012

Back to Taizé, 2011. Dia 6 - Às 3 os sinos tocam.

Por mais que não queiramos, já acusamos muito cansaço. Os dias são muito intensos, com as manhãs a puxar por nós física e psicologicamente, os momentos de oração a fazer pensar demasiado. Muitas vezes pensamentos vazios. O silêncio interior pesa, pesa, pesa...
Não conseguimos acordar para a oração da manhã e por pouco não perdemos o pequeno-almoço. Mais introdução com o fantástico Irmão Máximo, grupo de partilha, desta vez mais intenso, reflexão individual a fazer dar ao resto do grupo um pouco de nós, retirado do fundo da gaveta.
Estou de nova na alcatifa e já a conheço tão bem. Hoje sim é noite de ficar por aqui. Pensar, meditar, cantar, ser levada pelas vozes, pela guitarra, pelo órgão e pelo violino. Para mim própria é muito estranho este estado de excitação em que estou pela noite de hoje. Que prazer estar aqui.
Mesmo que não saiba muito bem a fazer o quê, mesmo que não saiba falar com Ele, mesmo que haja momentos em que o meu pensamento se começa a esvaziar e a mente se enche de "... e agoras?".
Estou aqui, sinto-me bem e o resto não importa.
Grupo de trabalho, estamos cada vez mais rápidos, como se já soubessemos precisamente quais são sempre as zonas mais sujas da alcatifa, em que sítio se sentam os mais descuidados.
Novamente ervilhas para o almoço, novamente pão com queijo para a Joana, vamos ao Oyak comer um gelado e sentamo-nos por baixo da torre dos sinos. São 3 da tarde. Os sinos tocam uma melodia triste e melancólica e tudo pára em Taizé. Os grupos de trabalho, o reboliço do Oyak, as guitarras e os djambés. Há dois mil e tal anos atrás, Jesus morria por volta desta hora, segundo a Bíblia, e nós recordamos.
Fazem-se dois minutos de silêncio por toda a comunidade, e o que se sente é inexplicável.
Os pêlos dos braços arrepiam-se, sinto o meu corpo a tremer por dentro. Mistura-se a impotência, a pequenez de se querer fazer mais. "Ama o próximo como a ti mesmo". É tão difícil.
Estamos deitadas nos bancos corridos onde normalmente comemos.
Encontro com o Irmão Christian, chileno que quis conhecer os portugueses.
Jantar, alcatifa.
Ontem e hoje chegou muita gente, a alcatifa enche-se de gente, o calor humano enche a igreja, está mesmo muito calor aqui, e tenho medo que isto me impeça de viver este momento como quero.
Já passou. E acho que foi a noite mais bonita desde a minha chegada a Taizé. Acho? Foi mesmo.
A cruz colocado no centro do corredor, as velas simples colocadas sobre ela de forma simples, com as duas chamas a ganhar força neste momento, a iluminar as cabeças de quem se chegava a elas.
A fila a formar-se. Primeiro em pé, ao fundo da igreja, depois sentados e, já próximos do símbolo da morte de Jesus, de joelhos.
Vou para a fila. Primeiro, estupidamente penso que já que aqui estou, vou. Não me apercebo da importância deste momento. Pergunto-me o porquê deste gesto. É uma cruz de madeira, são duas velas, são agora quase 6 mil pessoas à espera para encostar a cabeça. Enquanto pergunto porquê, as pessoas vão andando e eu a aproximar-me cada vez mais. Já passou uma hora mas, perdida nos meus pensamentos e dúvidas, passaram apenas 5 minutos.
Já de joelhos, faltam cerca de 6 pessoas para chegar a minha vez. O coração acelera. Porquê? Tremo novamente por dentro. Estou sozinha agora, os milhares de pessoas à minha volta desaparecem e oiço a minha respiração ofegante per-fei-ta-men-te.
Num movimento leve, levanto-me e sinto as minhas pernas a ficar cada vez mais fracas. Sinto-me a tropeçar nesta alcatifa. Deixo-me cair ao pé da cruz e vejo as lágrimas da rapariga que esteve aqui antes de mim. Agora pergunto-me o que terá deixado ali, o que terá entregue junto à morte de Jesus. Deixo eu também tudo o que me lembro, e tudo o que não me lembro. Deixo os meus maiores medos, deixo aqueles de quem mais gosto, agradeço a benção que é a minha vida e todas as bençãos que recebo, dia após dia. Faço força para ter mais fé em Alguém que realmente está lá em cima e em todo o lado. Quero acreditar, quero crer, quero sentir um Amor maior que todas as coisas. Um Amor que, independentemente das leis de todas as igrejas, mandamentos, regras, orações, seja para todos de igual forma. Um Amor que só pede Amor em troca e nada mais. Amor a nós próprios, Amor ao próximo, seja ele quem for. E se esse Amor existe, é por esse amor que aqui estou. Para presenciar como todos podem respeitar e ser respeitados, como todos podem amar e ser amados, como todos podem confiar em algo ao alcance do mais velho, do mais novo, do mais rico, do mais pobre, do mais bonito e do mais feio. É tão fácil falar e tão difícil acreditar e pôr em prática.
Amar. Este ser desenhado nesta cruz onde agora choro (e choro compulsivamente) só me pede para amar, só nos pede para sermos melhores.
Tenho medo do meu regresso à vida real, medo de esquecer toda esta vontade se ser melhor, e de resistir a tudo o que me impeça de o ser.
"Atreve-te a viver por Amor".
E deixar tudo? E partir? Como se vive por amor? Saio de Taizé com ainda mais perguntas e zero respostas. Qual é a minha missão? Qual é o meu propósito? Estou no caminho certo? É isto que tenho que me faz feliz? Irrito-me.
"Take your time, don't rush things, don't make any hurried decisions". As palavras do Father Alex aparecem de vez em quando e os meus batimentos cardíacos acalmam.
Saios dos pés da cruz, volto para o meu lugar na alcatifa, agora mais arejado, com as pessoas a sair aos poucos. Quero ficar mais um pouco aqui, a sentir esta paz tão rara, tão especial.
Alterno entre cantar e ficar em silêncio.
Sento-me de pernas cruzadas, estico as pernas, ajoelho-me, sento-me outra vez, deito-me de barriga para baixo, adormeço, acordo, canto, adormeço outra vez, sonho, acordo, vou lá fora apanhar ar. Relâmpagos em Taizé, começa chover e esta terra cheira ainda melhor molhada.
Uma pequena porta, abro-a e sinto outra vez o quentinho cor-de-laranja. Já poucos permanecem aqui. A fila, cada vez mais pequena, a cruz cada vez mais sozinha, o coro a apagar-se aos poucos, o violino, agora a flauta, fica o mesmo rapaz que toca guitarra incansavelmente há quase 6 horas.
Entre entra e sai, café e chá, silêncio e conversas sussurradas, são 03h30 e estamos aqui há 7 horas. Não dá para explicar o sentir que queria ficar mais e mais tempo. Só o sono não permite. Chove torrencialmente lá fora. Corremos para a camarata. Parecem nove horas da noite. Reboliço de gente na rua.
Estou tão cansada. Quando me deito, penso naqueles de quem tenho mais saudades, impeço-me de comunicar seja com quem for. Este tempo é meu.