terça-feira, 22 de novembro de 2011

O sítio.

There's nothing like founding a place.


Depois de anos de convites recusados, 2011 foi o ano de conhecer Taizé.
A primeira viagem de total entrega a um local, a uma experiência, a um-sem-fim de novas vivências.
A primeira viagem com direito a Diário de Bordo. Diário que me diz tanto, que me leva de volta para lá e que hoje, aqui, decido partilhar.

Taizé, 17 de Abril de 2011 - A chegada. Olá Taizé!

Pela primeira vez na vida, não fiquei apavorada quando fiquei sem gasolina.
Tenho pavor de ficar sem combustível a 100 metros de casa. Desta vez, em plena França, numa auto-estrada deserta, às 03h00, noite cerrada, frio desmensurado, não tive medo.
Não tive medo.
Alguma coisa me dizia que esta viagem ía ser mais do que "só" mais uma viagem.
Eu sou mais do que o medo que tenho. Eu sou mais do que uma viagem de 24h de autocarro e as adversidades que pode trazer. Mais do que a viagem, eu sou o seu destino.
E o destino a que esta viagem me trouxe... é mais que eu, é mais que nós, é mais que tudo. É tudo.
Nada do que eu pudesse imaginar seria alguma vez perto daquilo que isto é.
Porque isto não são imagens, não são fotos, não são histórias contadas por quem já o vivenciou.
Isto... são sons, cheiros, sabores.
O som das guitarras, dos djambés, dos pássaros, dos ramos das árvores ao vento, das vozes... em línguas diferentes que se misturam numa só. São cheiros a natureza, a sol, a vento, a mundo, a crianças, a comida, a óregãos, a terra. São sabores de um nada que sabe a tudo o que nunca se provou.

Tarde. Chegámos tarde, de braços abertos.
Tarde para o pequeno-almoço, tarde para a missa, cedo para tudo o que o resto do dia nos ía trazer.
Sol, brisas frias, momentos de calor, pernas dormentes da viagem, vontade enorme de fazer xixi.
Os primeiros passos em Taizé levaram-me, a medo, à igreja. As imagens! Malditas imagens vistas no Google! E se isto não for tão bonito como parecia?
Hesito.
Penso em voltar para trás.
Sou empurrada por ninguém.
Entro.
A primeira lágrima da viagem. Boa, chegaste cedo.

Não, não era tão bonito.
Não era, nem é, bonito.
Dizer que é bonito é banalizar o que isto é.

Isto é... o que eu não sei explicar.
E agora, aqui sentada, à espera da oração da noite, escrevo o meu dia com uma sensação ainda maior de que isto não se explica a ninguém. Isto vive-se, sente-se e guarda-se.

Voltando a este dia. A este dia que nunca mais se vai repetir. Porque nunca mais vou ter o meu primeiro dia em Taizé.
Vamos directas para a fila do almoço. Encontramos de tudo e esperamos pacientemente ao sol pelas badaladas das 12h00. Toca. A multidão chega-se à frente, e ele sobe para o balcão.
"We need more ten people to help us serve you lunch!". Coitadinho, penso eu. Coitadinhos de nós, que nunca mais almoçamos. "Ten people", pffff. Estou tão enganada.
Depois da primeira lágrima, levo a primeira chapada.
Uma multidão que não se importa de adiar a fome para servir os outros segue o alemão de boina. Toma lá que é para aprenderes. Para a próxima chego-me eu à frente.
Não me importo de comer uma concha de puré e uma fatia de paio. Não me importo de comer só com uma colher e beber água de uma tijela. Não me importo de perder tempo à procura de um lugar nos inúmeros bancos corridos, e importo-me ainda menos de me sentar ao lado de um francês armado em espertalhão. Quem diria.
Todos saboreiam como se de um banquete se tratasse e isso faz-me sorrir.
Olho à volta e vejo uma senhora velhinha, magrinha, cabelo branco, muito branco, alta, uma pequena mochila vermelha às costas, um ramo de flores lá dentro, a saltar cá para fora. Está perdida. Não, não está. Aprecia este momento, tal como eu. Manda-me um sorriso, e eu mando-lhe outro de volta.
Seguimos com o dia. Andamos, paramos, olhamos em volta e todos sorriem.
Vejo um rapaz a escrever. Olho, ele levanta a cabeça e sorri. Parece que estes sorrisos, espontâneos, à espera de nada em troca, se vão repetir.

Sem ter muito para descrever, seguem-se os momentos em que nos são distribuídos os trabalhos e as camaratas. Preencher papéis, falar com a Sabrina alemã (que veio a revelar-se omnipresente), vamos ficar a aspirar a igreja das 13h às 14h, camarata 140, tu, tu, tu e tu, agarra nas malas, parecem mais!, bolas está calor, 'bora lá, é já ali!, não não é, arrumar coisas, abrir sacos-cama, estão três desconhecidas connosco, boa!, baza tomar banho, fila enorme, despe, lava, veste, penteia, vamos para a beira do lago dormir a sesta? Bora! Escaldão, que bom. Põe creme, são horas de ir jantar. Lentilhas com cebola, sopa de tomate com óregãos. Sabe-me pela vida.
"Sorry, can we sit here?"
"Of cooooooourse!"
Mais sorrisos. Claro. Assim a refeição até sabe melhor.
Café.
Oração da noite, cá estou eu.
Sensação de que não podia estar em mais lado nenhum.
De que estou no lugar certo, à hora certa, com as pessoas certas.
Desconhecidos que agora me preenchem.
Olho para eles e de repente conheço-os há anos. As crianças. Meu Deus, as crianças cantam em todas as línguas! Têm os olhinhos vidrados nas velas lá ao fundo e misturam as suas vozes com a minha. Temos uma só voz. As mentes vazias, o coração cheio.
Apetece-me ficar aqui até saber o porquê de estar aqui. Até perceber o que me trouxe aqui e até saber em que devo pensar quando fecho os olhos.
Tenho tanta vontade de chorar e não consigo.
Termina. Saímos. Entramos no mundo em que aqueles que ali estavam partilham agora a alegria de estar em Taizé. Cânticos e danças e parvoíces oriundas de todo o mundo. Café, só um café e vamos dormir por favor.
Vamos.
Que dia.
Que simplicidade.
Que vontade de ficar.
E como vai ser quando voltar?

Tenho tempo para pensar nisso.

Apaguem as luzes, abram os sacos-cama, despertador para as 07h30 que aqui os dias começam cedo e são intensos. Até amanhã. See you tomorrow. Hasta mañana. Au revoir!

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